Confiram a Matéria:
Um tipo de humor nascido na internet, rápido e escrachado, está revolucionando a comédia
BRUNO FERRARI E MARIANA SHIRAI
É uma cena típica de qualquer festa de aniversário no Brasil. Você resolve dar uma passada rápida para cumprimentar o aniversariante. Quando vai embora, ouve a frase: “Fica, vai ter bolo!”. Inspirados nessa cena marcada na memória do brasileiro médio, o publicitário Gustavo Braun, de 27 anos, e o analista de mídias sociais Victor Calazans, de 25, criaram no início do ano um tumblr (lê-se tâmbler), serviço on-line que mistura Twitter com blogs, chamado Fica, Vai Ter Bolo!. A frase surgiu numa comunidade do Orkut, em 2005, mas virou um sucesso no site de Braun e Calazans, autores dos perfis (falsos) @nairbello e @hebecamargo no Twitter, ao associarem a frase com fotos. Uma delas mostra o presidente do Corinthians entregando uma camisa para o ex-jogador Ronaldo Fenômeno, em sua despedida, com os dizeres “Fica, Vai Ter Bolo!”. “O objetivo sempre foi se divertir”, afirma Braun. “Foi uma ideia que tive com a @hebecamargo para celebrar nossa amizade.”
O tumblr Fica, Vai Ter Bolo! é uma das inúmeras formas de humor que surgiram com a internet. No Brasil, o humor é a tônica dos vídeos e blogs mais acessados. Ocorre o mesmo nas redes sociais, como o Twitter e o Facebook. “Como fomos ao longo da história sempre muito fiscalizados e censurados, o cômico é a maneira do brasileiro de ter uma postura crítica diante da realidade”, diz Cristina Costa, professora e pesquisadora da Escola de Comunicações e Artes da USP. Para ela, a popularidade do humor na internet brasileira não é surpresa.“Em outras culturas, o drama e a tragédia são preponderantes. No Brasil, o cômico está em primeiro plano.”
Um exemplo de como a internet deu uma nova perspectiva para o humor brasileiro é o comediante Rafinha Bastos, apresentador do programa CQC, na rede Bandeirantes. Rafinha começou a fazer seus vídeos em 1999. Eram paródias de videoclipes de sucesso. Sempre teve um público fiel na internet, mas, com a chegada do YouTube, ganhou muito mais repercussão. Em meados dos anos 2000, começou a fazer shows de comédia stand-up. Suas apresentações eram gravadas e colocadas no YouTube. As pessoas assistem a seus esquetes na internet e acabam indo ao teatro para ver o show completo. “A internet permitiu que eu fizesse sucesso fora do Rio Grande do Sul”, afirma. “A programação de rádio, a de TV e a de teatro são locais.”
Rafinha diz que mesmo antes da televisão vivia bem financeiramente com seu trabalho na internet e nos palcos. Recentemente, ele foi eleito pelo jornal The New York Times como o perfil mais influente do Twitter no mundo. Em entrevista à revista Wired, cuja reportagem de capa deste mês afirma que a internet salvou o humor, Rafinha diz receber até US$ 4 mil por uma frase promocional publicada em seu perfil – hoje com mais de 2 milhões de seguidores. Rafinha atribui o sucesso a seu estilo de texto para a comédia stand-up (de pé, o artista entretém sozinho a plateia). Suas frases sempre foram concisas. “Faço cinco piadas no primeiro minuto de um número”, diz. Ele também costuma fazer piadas sobre assuntos polêmicos, como aborto, racismo e prostituição. E não se importa com as críticas. “Estou c...ndo b...s gigantescas para o que as pessoas pensam. Se eu ficar preocupado se a minha mulher vai se ofender com alguma piada sobre ela, perco a minha liberdade.”
Para Alex Primo, pesquisador de mídias sociais e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a agressividade é típica do novo humor. “O americano evita o politicamente incorreto, fazer piada de tragédia”, afirma. “No Brasil, o falecimento de alguém famoso vira motivo de piada.”
Assim como o humorista, o espectador também é mais livre na internet. Não tem de se adequar à grade de horários de um programa da TV ou do rádio e pode escolher o que deseja ver de acordo com seu humor no momento. Essa peculiaridade incentiva a diversidade, que já pode ser vista na web (leia os quadros). Há blogs, vlogs, perfis falsos criados por provocadores no Twitter, humor nerd...
Há na rede alguns tipos tão específicos de humor que fazem sentido apenas para um grupo de usuários. “A internet tem um alcance menor que a televisão. Por isso, as piadas podem ser mais específicas”, afirma Helio de la Peña, um dos criadores do extinto Casseta & planeta, urgente!, da TV Globo.
Um caso clássico são os memes – expressões, frases ou imagens que nascem de um grupo de pessoas e vão se espalhando aos poucos, até ganhar o gosto de um público mais amplo. É um movimento comum no Twitter. Mas, por mais que repercuta, é difícil para uma pessoa fora das redes sociais entender expressões como “Brinks”, “Climão manero”, “Todos chora”, “Leiao”, “Corrao”, “Apenas isso não marginais” e mesmo o “Fica, vai ter bolo!”. Cada uma tem o seu contexto. Quanto mais a expressão é usada, menos necessária se torna a explicação, porque se incorpora ao vocabulário. O YouPix, principal site de cultura digital no Brasil, traz o blog Memepedia, que explica o nascimento dos memes mais famosos.
O linguista David Boutsiavaras, de 27 anos, é autor de memes clássicos, como o “Brinks” (abreviação de brincadeira) e “Ri litros”. A ideia de criar uma linguagem diferente surgiu na faculdade, quando ele estudava morfologia, a formação das palavras. Juntava a isso observações sobre o dia a dia. “Tinha uma amiga que escrevia totalmente errado, era quase impossível entender”, diz. “Comecei a observar como ela construía suas frases.” Os memes criados por Boutsiavaras nasceram no início da década de 2000. De Sorocaba, ele usava o comunicador IRC para conversar com Rafael Madeira, no Rio de Janeiro. Madeira, que no Twitter usa o perfil @abossal, é autor do site de quadrinhos Cersibon. Ele mistura a linguagem quebrada, às vezes de difícil compreensão, com personagens desenhados toscamente. Nos mesmos moldes, foi criado o site O Pintinho, já com uma linguagem acessível, mas com o mesmo formato de desenho.
Os memes simbolizam uma característica que permeia a maioria dos produtos de humor na web. Eles são cíclicos, com uma história que costuma se repetir: nascem de forma despretensiosa, ganham popularidade, geram filhotes... e se esgotam. É assim com vídeos virais, tumblrs e blogs.
O início do humor na internet brasileira aconteceu nos sites que reproduziam conteúdo feito por outras pessoas. Um dos melhores exemplos é o blog Kibeloco. Agora, parece que estamos num tempo em que se enfatiza a criação. O próprio Kibeloco criou quadros e seções para se renovar. A dupla do Jovem Nerd tem conseguido manter o sucesso com a criação de podcasts e vlogs que a renova. Trata-se de um humor, pela própria natureza do meio, mais efêmero. A concorrência é atroz – a cada segundo há alguém postando um comentário jocoso, um vídeo engraçadinho. Sobrevivem, e proliferam, os que melhor conseguem criar e, em seguida, quebrar o molde para criar de novo. De preferência, rindo.
Créditos: Revista Época
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